- E porque ninguém gosta dele? – perguntei.
- Porque ele é gay – respondeu. Aquilo deu um play num filme da história da minha vida, lembrei de dias difíceis que passei no colégio, onde era conhecido como “Marcos Viadinho”.
- Você não deve se afastar de ninguém por conta disso – aconselhei.
- Não, eu sou amiga dele, fico conversando com ele no intervalo – respondeu minha sobrinha.
Começaram a chamar minha sobrinha de “sapatão”, por ser amiga do “viadinho” da escola. Ela partiu em defesa dela e do menino, dizendo que não era pelo fato dela ser amiga dele, que ela era “sapatão”. Senti orgulho da minha sobrinha, que mesmo sendo hostilizada por ser amiga do menino, não se intimidou e continuou sendo amiga dele.
Disse no post “Os Filhos que Geramos” que “ninguém opta pelo descaso, ninguém é reservado por mero capricho”. Quantas pessoas que hoje são reservadas, que foram reservadas pela sociedade, por escolas que não cumpriram o seu compromisso didático de proporcionar a aceitação das diferenças.
Em todas as escolas existe um, ou vários “Wellingtons”, menino reservado, com sexualidade duvidosa e que se prende no “seu mundo”. O mundo exterior acaba tornando-se dolorido demais, é quase impossível chegar na roda onde estão as pessoas mais descoladas da escola e dizer “olá”. O que fazer diante disso? Ficar numa redoma de vidro, onde ninguém te atinge e lá dentro você dá as regras, as suas regras que você irá obedecer, pois é o seu “mundo particular”.
Eu já fui o “Wellington”, já fui o cara estranho da escola, que torcia para não haver intervalos, pois estava cansando das hostilizações que eram expostos e que supervisores, professores e diretores escolares faziam vistas grossas. Eu já fui o garoto que era deixado de lado e que apenas algumas meninas conversavam comigo.
Na minha sala tinha o Tadeu, ele fazia natação de terça e quinta comigo e numa outra sala , umas duas sérias acima da nossa, havia um amigo dele. O Tadeu foi um dos que mais promoveu bullying comigo. Ele me chamada de “bicha” e me batia na escola, ele era menor que eu e eu naturalmente ia pra cima dele, para me defender, mas ele era protegido pelo seu amigo. Nas terças e quintas, era a minha vez de bater nele e na natação não tinha ninguém que o defendia, mas no mesmo dia, um pouco mais a tarde, era a minha vez de apanhar na escola, do seu amigo, que era maior que eu.
Na sala de aula, o Tadeu sentava ao meu lado, era um inferno declarado, o cara não me dava sossego. Certa vez, quando ele estava voltado da mesa da professora, eu coloquei um lápis com a ponta bem apontada para furar a bunda dele, ele sentou e gritou. Ele estava com uma calça de helanca e aquilo machucou e muito, ele perguntou:
- Porque você fez isso comigo? – perguntou.
- Sei lá, você não gosta de mim - respondi.
- Gosto sim, nos somos amigos – disse ainda fazendo cara de dor.
- Se gosta de mim, porque fica tirando o sarro e mexendo comigo? Eu não gosto disso – questionei.
Depois desse episodio, continuei sendo o “bicha” da escola, mas o Tadeu nunca mais me provocou. Continuamos na natação de terça e quinta e ele continuou sentando ao meu lado, na sala de aula e o seu amigo, da outra série, nunca mais me bateu.
Não consigo explicar a motivação do bullying. Na minha época fui desamparado por profissionais “habilitados” a formarem cidadãos e o caso da escola no bairro do Realengo, Rio de Janeiro, prova que esses profissionais continuam pecando nas atribuições do oficio de suas profissões. O Wellington Menezes, que hoje é repudiado pela sociedade, é nosso filho. Fomos nos que o criamos, o ensinamos a odiar e colocamos armas em suas mãos, fomos nos que o odiamos primeiro.
O Wellington tirou vidas, mas quantas vidas foram tiradas pelo bulliyng? Quantos homens e mulheres nesse mundo morreram em quartos escuros, isolados pela sociedade, pelo simples fato de serem diferentes. Não quero viver numa sociedade em tons pasteis, quero o verde, o vermelho, o preto e o amarelo compondo a nossa aquarela. Quero a diversidade interagindo na sociedade. Enquanto repudiarmos tudo o que vai em contramão ao que a “sociedade vigente” julga como padrão, vários “Wellingtons” se desabrocharam pelo mundo afora.
Talvez eu ainda seja um “cara estranho” e viva numa redoma de vidro, onde criei o meu mundo. Talvez essa redoma se tornou tão grande, com tantos integrantes, que virou um mundo de verdade, onde posso me articular com iguais. Os que não tem essa sorte, de viver num gueto que te abrigue, entra num estado de loucura, pois ninguém consegue viver sozinho. Sou favoravel aos guetos e tenho um sonho de que um dia ele se tornar tão grande ao ponto de se confundir com as barreiras da sociedade e que ninguém precise se incluir nesse gueto para ser aceito.
Um comentário:
ótimo texto, n é julgando os outros que seremos gente, abaixo o falso moralismo e a impunidade, abaixo a sociedade que tenta igualar as pessoas, n somos iguais,Graças a Deus!
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