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segunda-feira, 23 de março de 2009

Não Tenha Vergonha de Dançar YMCA

Por Ricardo Rocha Aguieiras

Estamos sempre preocupados com o outro olhar e com o olhar do outro em nossas vidas. Desde que nascemos. Isso ocorre com todo o mundo, mas, por razões óbvias, bem mais em cima das minorias discriminadas e excluídas socialmente. Dois pontos estão sempre recebendo uma maior agudez, ainda, na visão dos habitantes desta sociedade imagética: O prazer e a aparência.

Falemos do primeiro agora: O Prazer. Depois explico como os dois andam juntinhos, que nem unha e carne, um “apoiando” o outro e completando o caminho da infelicidade e da não realização do ser humano.

Prazer nunca foi algo bem visto dentro de uma sociedade que já nasce culpada, que se estabeleceu em cima da culpa e onde todos são pecadores. Culpado. Mas, nesse mundo, teria que ser criadas válvulas de escape para tanta dor, sofrimento e miséria, que “permitem” algumas coisinhas prazerosas, desde que dentro do padrão aceitável pelo... olhar do outro. Essa expressão pode ser ampliada pelo olhar de um grupo, tribo, povo, região, religião e etc. onde ocorre uma padronização à procura de possíveis identidades em comum. Que, se não existirem tanto assim, podem muito bem serem fingidas (ou forjadas, ou imitadas ou representadas ou ainda impostas pela educação ou por regras verbais ou não verbais). Então, permitem (Eles permitem, os outros) que você frequente a balada da moda, desde que – é claro – você use uma roupa da moda, igual a que usa a sua turma e também consuma o que eles consomem, de música à comida, incluindo aí até gostos estéticos e Desejo. Você não pode se sentir atraído por um gordo ou por um coroa. A menos que esconda o seu desejo e, junto com o esconderijo, se sinta também culpado. Então, tudo bem. Você não é um “anormal”, sua própria culpa é uma prova disso. Anormal seria não sentir culpa. E a culpa, essa nossa (ini)amiga cerceadora vai te acompanhar por toda a sua vida e vai ser muito usada pelos outros , para que você não fuja, nunca do padrão. Compreende por que o prazer é tão temido por qualquer governo, sociedade, pelos poderosos? Por que transgride e desestrutura. Então, sempre, sob inúmeras desculpas, sejam higienistas, medicinais, comportamentais, religiosas, sociais, vão controlar você. Eles, os outros.

A aparência idem. Hoje, virou pecado (de novo ele, culpa, lembra?) mortal envelhecer. Vivemos a negação do corpo e a negação da morte. Se o envelhecimento nos lembra que, um dia, morreremos, então em nome da “boa saúde” ele deve ser combatido. Olhe ao redor e veja que cabelos brancos só existem em mulheres muito idosas, antes há a obrigação da tintura, mesmo que eles venham aos trinta anos. No Brasil, segundo país que faz mais plásticas no mundo, depois dos Estados Unidos, a mulher será olhada como uma marciana, se deixar os brancos nascerem naturalmente em sua cabeça. No mínimo, será considerada “desleixada”. Engordar também não pode. Quem engorda é por que é uma pessoa preguiçosa que come demais...segundo eles, os outros...ué, mas comida é também um prazer, não? Se não for o maior que temos, sensorialmente falando. Prazer, percebe? Idem, culpa, percebe?

Que delícia é quando você toma um banhão e sai por aí usando sua camiseta velhérrima e furada, mas a mais confortável do guarda-roupa, junto com aquele tênis encardido de três anos atrás, que não aperta seu pé. Que delícia quando você relaxa! Mas relaxar dá prazer, você não pode perder o controle pois pode ter alguém olhando, um outro. Reparem como a moda contribuiu, ao contrário do que pensam e pregam, com a sua infelicidade, já que ajuda a estandardizar as pessoas, a colocá-las em uma forma. E forma lembra prisão; uniforme; aperto; massificação; robotização. Forma não lembra prazer. Se você se vestir de forma diferente da sua tribo, prepare-se antes para as críticas, julgamentos e para se sentir mal. Moda é uniforme disfarçado. Pode não ter o logotipo da empresa ou da repartição, mas é o melhor exemplo de como sua aparência sofre a influência do olhar do outro. E de como você é, a cada dia, menos você, sem atinar... Tudo isso é, também, dor e sofrimento. No filme de Almodovar, “Tudo sobre minha mãe”, a personagem da travesti diz algo perante uma platéia, ao receber um prêmio, que me fez pensar muito: “Para mim, felicidade é você se aproximar, cada vez mais, do que entende por autenticidade”. Acho que é por aí.

O que mais me doeu no comercial da Doritos foi justamente a negação da singularidade de cada um, me feriu mais que a homofobia comprovada do mesmo ( você pode dividir Doritos, mas não o seu Desejo ou o seu esfincter...). O rapazinho levando um saco do salgadinho na cara por que está relaxado, feliz e distraído ( se “distrair” é prazer, não?) do olhar cerceador do outro, por que está dançando YMCA , música de grande sucesso do grupo Village People e que se tornou um referencial e um hino gay. E, além de gay, essa música é considerada “brega” pela moda atual. Alguém aí sabe me dizer o que é isso, “brega”? Eu tive uma amiga maravilhosa em minha vida que era considerada brega: peruona, 80 quilos distribuídos em fartos seios que cheiravam à talco, cabelos platinados e misturava abóbora com verde e vermelho, pulseiras enormes e batom vermelhão. Nada nela remetia ao discreto. Aliás, “discreto” é outra palavra muito usada para controlar... Essa amiga vivia rindo, feliz e indiferente às criticas e julgamentos constantes que sofreu a vida toda. Sempre estava com uma camélia no cabelo e a casa cheia de flores e bombons, que comia sem dar a mínima se engordavam ou deixavam de engordar. Cantava os homens na cara dura... foi, sem dúvida a pessoa mais divertida e deliciosa que conheci na vida. Na véspera de sua morte, no hospital, comia chocolate de uma caixa escondida – quem levou não sei...- embaixo do travesseiro e ria com as músicas do Genival Lacerda. Foi enterrada usando cílios e unhas postiças, a seu pedido. Desculpem, mas nenhuma outra pessoa “discreta” e “elegante” ou “sensata” me deu tanta definição de felicidade como ela.

A mensagem que esse comercial passa é a mais retrógrada possível: “Não divida com os outros quem você realmente é, não seja autêntico. Não relaxe nunca. Faça apenas o que a maioria faz. Viva conforme os ditames alheios, para não “pagar mico”... Que saco, não? Que saco deve ser você ter que se vigiar 48 horas por dia só para ser aceito...

Tive o azar de trabalhar l4 anos com publicidade, na Folha de S.Paulo e em outros lugares e agências. Publicidade nunca representou um avanço, e sim um retrocesso. Estão sempre a um passo atrás, apesar dos publicitários que trabalham com criação se julgarem os donos da Revolução. Sem avançar, compactuam com o que esta sociedade tem de pior: Ditadura da estética e o mito da juventude eterna, estimulam a selvageria do capitalismo e do consumismo desenfreado, afastam as pessoas da busca de si para apenas aparentar. E ter. Incutem objetos de desejo em quem não pode tê-los. Como o que interessa é vender, é o lucro ou o ibope de uma marca, os meios não interessam. Trabalham em cima do “mass média”, o que interessa para eles é que você nunca pense ou questione tudo isso, pois, se pensar ou questionar podem perder lucros. Mas, reconheço: Têm muito mais a ver com a sociedade imagética que aí está do que os que tentam, desesperadamente, serem autênticos. Não viverei para ver o contrário, ou seja, uma publicidade cuja mensagem fosse: “seja mais verdadeiro e honesto consigo mesmo”. Os argumentos, furadíssimos, dos que defendem o comercial, são “bom humor”; “que só queriam mostrar alguém pagando mico” ou “a maldade está na cabeça de quem assiste” ( esse é triste, tão triste que chega a ser cômico, nega o todo poder da mídia...); “demonstrar como é gostoso consumir Doritos entre amigos”... Pois é. Pouco interessa se o comercial é pouco ou muito preconceituoso. Muitas vezes a sutileza da estigmatização e as entrelinhas ferem mais que um assassinato. Eu me cansei de ser ridicularizado. E você? Qual é o seu limite? Quantas vezes já passamos por situações parecidíssimas com essa mostrada no comercial? O que eu sei, com toda a certeza, é que as pessoas seriam muito mais felizes se dançassem YMCA nas ruas, diariamente, sem levar saco de Doritos na cara. E que pudessem expressar a luz do próprio olhar, sem se preocuparem tanto com o olhar do outro.

13 comentários:

felipemaia disse...

Infelizmente a sociedade é carregada de esteriótipos que dificultam a realização de tudo o que vc disse.
Concordo com suas palavras e fico com a frase do final de um filme que assisti: "quanto mais atos estranhos as pessoas cometerem mais normais eles se tornam."

Unknown disse...

Tenho acompanhado seu blog e ele é um excelente espaço de discussão e seus artigos sempre pertinentes.Algo que me preocupa muito na comunidade gay é o excessivo culto da aparência física,que muitas vezes descamba em uma espécie de fascismo gay,algo que acho aterrorizante.Esse culto do estereótipo masculino mais rasteiro tem se tornado maior a cada dia,e alcançado alturas preocupantes.Porque muitos de nós escolheram se "parecer com aqueles que nos tiranizavam quando adolescentes?"-nas palavras do escritor americano Michael Cunningham de "As horas".Acho este é um bom ponto a abordar.Parabéns pelo blog de primeiríssima qualidade e um abraço do James.

Anônimo disse...

Sensacional o texto... Fez-me pensar no meu passado qdo eu não tinha vergonha (culpa) de mostrar que era autentica, hoje ainda sou mas, bem mais comedida. Impressionante, visse?! Perceber este ângulo da vida, é bom refletirmos, questionarmos... e arregaçar as mangas e mudar tudo isso, quem tem coragem de 'atirar a primeira pedra'????

Bjos ú&e

O VIADO E A TRANSGRESSÃO POÉTICA disse...

Marcos, Obrigado! Você é uma pessoa generosa e um amigo do coração, colocando meu artigo aqui, com imagens tão belas e perfeitas. Estamos construindo um mundo novo e precisarei sempre da tua ajuda fratesna.
Beijos agradecidos,
Ricardo
aguieiras2002@yahoo.com.br

FOXX disse...

discussão incrivel, marco
parabéns
palmas!!!

tommie carioca disse...

A construção da auto-estima é responsabilidade de cada um, sucumbirá sempre quem acredita que o olhar do outro é que determina seu valor (ou a falta dele). O oprimido precisa do opressor para justificar sua baixa auto-estima, é o casamento perfeito para quem quer passar a vida sendo vítima e magoado com o mundo.

J. M. disse...

Eu confesso estar preso no olhar dos outros ainda. Preso no que a sociedade me diz estar certo, estar bonito, estar na moda. Eu confesso não estar feliz justamente por causa disso. Eu confesso que suas palavras me levaram a um lugar dentro de mim onde evitava ir, mas fui obrigado a chegar agora. Só tenho a agradecer.

Arsênico disse...

A-DO-RE-I as fotos... de que fala o artigo mesmo?... hahaha...

Brincaderinha!

***

Arsênico disse...

Eu sempre me preocupo com o que as pessoas acham a meu respeito... semana passada causei um conflito ernome no meu emprego porque suspeitei que alguns colegas estavam me zoando...

Gostaria muito de me livrar dessas conrrentes que me prendem a esse mundo de coisas politicamente corretas...

***

Anônimo disse...

Parabéns,, inspirado nesse blog acabei de criar um hehe qd puder, faça uma visita! abraço
http://gayyeah.wordpress.com/

Daniel disse...

Oi,
Adorei o texto, vou entrar no ritmo do YMCA pelado, pode?
Bjs de Londres.
Dan
www.sembolso.blogspot.com

MaxReinert disse...

Parabés... brilhante texto.
Acabei de indicá-lo no NoGhetto!!!!

Keii disse...

Infelizmente é bem assim mesmo. Acabei de chegar de um casamento. Após a cerimonia, a noiva convidou todos a dançar com ela e se divertir, coisa q eu e minha amiga que estava comigo corremos logo para participar. E dada uma certa hora, eu e minha amiga, cansados, sentamos um pouco devido ao cansaço. E eis que começa a tocar YMCA. Incrível como quase TODOS na pista se acanharam e foram se encostando no canto da pista e dançando mais lento, quase parando de dançar. A noiva, amiga minha de aaaaaanos, me olhou sem entender e eu e a minha companhia voltamos pra pista. Pra dançar espalhafatosamente, pra dançar rindo, fazendo a coreografia com uma já satisfeita e risonha noiva. O povo que estava meio encostado na parede parece ter perdido a timidez e se juntou a nós. Incrível como as pessoas por rotularem uma música ou um hábito ou mesmo um ato, se "travam" com medo de serem julgados. Quer saber? Dividi com a noiva o que não tem em nenhum pacote de doritos: meu riso, minhas bobagens, minhas dancinhas, minha alegria de estar na companhia dela. Seríamos mesmo mais felizes se pudessemos dividir as coisas que nos fazem feliz ao invés de ter q dividir apenas um pacote de doritos...